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"Precatórios 'Horrendo calote institucionalizado'", por Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas
(01/02/2010 - 20:52)

Nos meios jurídicos há sentenças isoladas aceitando os precatórios como moeda de compra de imóveis em leilões públicos, a exemplo da proferida pela 2ª Vara de Fazenda Pública de Caxias do Sul. A juíza assegurou o direito de adquirir um imóvel na cidade de Farroupilha mediante parte do pagamento feito com oito precatórios vencidos. A magistrada determinou a expedição da carta de arrematação e devolveu os precatórios ao governo do estado, ou seja, aceitou os títulos como moeda na operação.
 
Essa tese mantém similitude com outras utilizadas para aproveitamento tributário dos precatórios, como o oferecimento em penhora e a compensação. Há de se alertar que essas teses da penhora e da compensação ainda não têm o respaldo total nos tribunais superiores, embora alguns tribunais locais as acolham. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é favorável ao uso de precatórios como garantia em execuções fiscais.
 
Também não há posição definitiva sobre a compensação tributária, sendo o melhor resultado uma decisão monocrática do ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda a ser referenda pela segunda turma, conforme noticia a imprensa.
 
Resta analisar a possibilidade de aceitar créditos de precatórios como pagamento de imóveis a serem alienados pelo poder público. Convém lembrar que a administração pública é regida pelo princípio da legalidade, segundo o qual, o administrador somente pode agir de acordo com aquilo que está previamente autorizado pela lei, divergindo das relações entre particulares, uma vez que, por força da autonomia da vontade, a eles é permitido fazer tudo o que a lei não proíbe.
 
Conforme se observa, as normas genéricas que tratam do procedimento licitatório em nenhum momento contemplam a hipótese de pagamento do valor da oferta pelo imóvel por meio de créditos decorrentes de precatórios.
 
Cumpre anotar que o Código Civil, em seu artigo 315, estabelece que as dívidas em dinheiro devem ser pagas no seu vencimento, em moeda corrente e pelo seu valor nominal. Logo, da oferta apresentada na concorrência ou no leilão, advém uma dívida em dinheiro (honrar o valor da oferta), a qual deve ser paga em moeda corrente.
 
O precatório é por característica um direito de crédito que se espera receber do ente público em momento futuro, não correspondendo, por conseguinte, a dinheiro, exigência, como visto, contida no Código Civil para pagamento das dívidas dessa natureza.
 
O procurador do estado do Rio Grande do Sul, Cristiano Xavier Bayne, no Parecer nº 14.531/2006, assim se expressou sobre a questão relativa à aceitação de créditos decorrentes de precatórios para aquisição de imóveis alienados pelo Estado, concluindo pela impossibilidade de aceitação de créditos decorrentes de precatórios para aquisição de imóveis alienados pelo estado do Rio Grande do Sul, seja diante da ausência de previsão nas normas gerais de licitação, seja diante da vedação expressa contida no artigo 54 da Lei 4.320/64, seja diante da ofensa à ordem cronológica no pagamento dos precatórios.
 
Vê-se que a arrojada tese de aceitar precatórios como moeda para pagamento esbarra em obstáculos a exemplo dos mencionados até aqui, como a ofensa ao princípio da legalidade, posto que nas licitações o pagamento deverá ser em moeda corrente e que o precatório para isso não se prestaria, por não se caracterizar como dinheiro, além da inobservância da ordem cronológica no pagamento dos precatórios.
 
Esse entendimento de que o precatório não é dinheiro foi, entretanto, afastado pela 1ª Turma do STJ, no Resp. 325868/SP, em 10/09/2001, ministro José Delgado, ao concluir que:
 
“Com o objetivo de tornar menos gravoso o processo executório ao executado, verifica-se a possibilidade inserida no inciso X, do artigo 655, do CPC, já que o crédito do precatório equivale a dinheiro, bem este preferencial (inciso I, do mesmo artigo)” (grifo nosso).
 
Em que pesem esses óbices de ordem legal e constitucional, o anseio social clama por medidas que venham a ser implementadas no sentido de encontrar soluções inteligentes e legítimas a tornar viável a liquidez do instituto do precatório, hoje considerado espúrio e que não pode subsistir na forma como se apresenta e é utilizado pelo Estado.
 
A questão é a de saber o que será feito com os precatórios, visto que a maioria dos entes federativos não honra seus pagamentos, o que causa exorbitantes constrangimentos para os credores da União, estados e municípios, bem como autarquias.
 
O ministro Marco Aurélio de Melo, em entrevista, disse que a questão dos precatórios tem se convertido em um horrendo calote institucionalizado. “STF cobra o pagamento dos precatórios”, publicada na Gazeta Mercantil em 10 de abril de 2000.)
 
Há que se refletir de forma mais aprofundada, no caso dos precatórios; a fim de buscar, por meios legítimos, uma solução criativa e que venha a dar um paradeiro a esse expediente abominável em que se transformou a quitação dessa requisição de pagamento, pelos órgãos do Executivo, chamada de “precatório”.

Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas

  Sitio publicado em 01/02/2008