Artigos Envie esse conteúdo para o email de um amigo Exibe a versão de impressão da página Retorna para a página anterior

"Honorários sucumbenciais e afronta ao ordenamento jurídico", Benedito Calheiros Bomfim
(26/05/2008 - 09:54)

A negativa de honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho, pois a tanto equivale restringir sua admissão à observância da Lei 5.584/70, fere os princípios constitucionais da isonomia (art.5º), da “duração razoável do processo” (art. 5º, LXXIII,) da essencialidade do advogado ”à administração da Justiça” (art. 133), da “ampla defesa” (art. 5º, LV), do “direito ao devido processo legal” (art.5º, LIV), do “primado do trabalho” e da justiça social (art. 193). Ao manter, incidentalmente, a vigência do art. 791 da CLT, por entendê-lo compatível com a CF/88, o STF, placitando entendimento do TST, adotou interpretação, ultraconservadora, de comprometimento politico. Essa mesma exegese levou nossa mais alta Corte a interpretar restritivamente o art. 1º do Estatuto da Advocacia, ao decidir não ser privativa de advogado a postulação na Justiça do Trabalho, ratificando, assim, a validade do art. 791 da CLT. Estranhe-se que a cristalização desse entendimento deu-se sem que exista na legislação trabalhista disposição expressa vedando a concessão de honorários sucumbenciais. Admita-se que a persistência das duas altas Cortes na manutenção do jus postulandi possa não ter viés ou inspiração patronal, mas que favorece o empresário, incentiva a litigiosidade em detrimento do trabalhador e da celeridade processual, disso não resta a menor dúvida. Tal entendimento reforça a inefetividade dos direitos constitucionais dos trabalhadores, os quais, pelo real temor de demissão, só recorrem à Justiça para reclamar contra direitos sonegados depois de extintos seus contratos de trabalho. A negação de honorários tem efeito impactante na Justiça do Trabalho, na qual uma das partes é hipossuficiente e os litígios, por serem de natureza salarial, relacionam-se com a sobrevivência do trabalhador e sua família, enquanto na Justiça comum as lides envolvem bens patrimoniais. Quando da instalação da Justiça do Trabalho, então no âmbito administrativo, deferiu-se à parte o direito de, pessoalmente, reclamar, defender-se e acompanhar a causa até final. Essa prerrogativa justificava-se por ser o processo trabalhista oral, concentrado, simples, e a Justiça informal, restrita a apreciar, na grande maioria, casos triviais, tais como indenização, horas extras, salário, férias, anotação de carteira. O fato de ser a quase totalidade das reclamações formuladas perante o distribuidor, mostra a singeleza dos pleitos. Os arts. 783 a 788 da CLT, que fixam tais regras, continuam a vigir, embora suas práticas sejam hoje exceção anacrônica. Ocorre, porém, que a Justiça do Trabalho hipertrofiou-se, formalizou-se, tornou-se complexa. Por não existir código de direito material nem processual do trabalho, a Justiça especializada passou a adotar, supletivamente, a legislação processual e material dos outros ramos do direito, naquilo em que a CLT, que já sofreu cerca de mil alterações, é omissa, desde que com esta compatível. A Justiça obreira não apenas assimilou os procedimentos da Justiça comum, como também os vícios desta. Incorporou, além disso, mais de duas dezenas de complicados institutos processuais civis. Diante dessas inovações, sustentar que o trabalhador possui capacidade técnica para postular e se defender pessoalmente até final, beira a falta de bom senso, a irracionalidade, o absurdo. O jus postulandi constituiu instituto adequado à época em que foi adotado, e já cumpriu o seu papel histórico. É inadmissível que, com isenção, em sã consciência, se negue a contradição entre os artigos 791/CLT, que considera facultativa, opcional, a assistência de advogado, e o 133/CF, que prescreve a indispensabilidade do advogado “à administração da Justiça”. Nesse conflito, qual dos preceitos deve prevalecer? A resposta, por óbvia, é dispensável. Se um dispositivo de lei é incompatível com a Constituição, o dever do juiz é negar-lhe aplicação. O jus postulandi, hoje, não passa de uma obsolecência, uma ficção jurídica encravada na lei, e somente sobrevive devido ao conservadorismo dos tribunais de cúpula. Obrigado a desembolsar dinheiro para honorários de seu advogado particular, a reparação obtida em Juízo pelo trabalhador, conquanto considerada de natureza alimentar, é parcial, incompleta. Compelido a recorrer à Justiça porque o empregador lhe sonegou verbas a que tinha direito, mesmo vencedor na causa, só receberá parte do ressarcimento pecuniário, porque terá de destinar parcela do mesmo ao advogado, que achou necessário constituir. Esse desfalque dos direitos do pleiteante contraria os arts. 389, 404 e 489 do atual Código Civil, o último dos quais dispõe que, inadimplida a obrigação, o devedor responde “por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”. Por sua vez, o art. 404 do mesmo Código estatui que as perdas e danos nas obrigações de pagamento em dinheiro compreendem “juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional”. Se, para obter a recomposição do prejuízo sofrido o reclamante teve de contratar profissional, é irrecusável o direito de ser ressarcido por quem o levou a contratar advogado. Sabendo-se desonerado de honorários de sucumbência, o empregador sente-se estimulado a sonegar direitos trabalhistas, a litigar, resistir e protelar o fim do pleito, congestionando ainda mais o Judiciário. Com o assim proceder, contraria a garantia constitucional da “duração razoável do processo”, o que também implica dificultar o acesso à Justiça. Pois a morosidade não apenas traz prejuízo ao trabalhador, mas, muitas vezes, o induz a desistir de ingressar na Justiça, quando não a firmar acordo lesivo a seus interesses. Demais disso, reconhecer honorários de sucumbência ao trabalhador quando pleiteia e vence na Justiça comum, e não fazê-lo na Justiça do Trabalho, na qual as verbas postuladas têm natureza alimentar, além de gritante incongruência, contravém o princípio da isonomia. Acontece mais que, após a EC/45, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho, o TST, através da Instrução Normativa 27/2005, admitiu honorários de sucumbência nas lides decorrentes da relação de trabalho. Evidencia-se, assim, outra vez, tratamento desigual e discriminatório, com a agravante de ocorrer, na mesma Justiça, quebra, novamente, da isonomia. Em face de tão significativas mudanças, próprias do dinamismo do Direito do Trabalho, reacende-se a velha polêmica sobre o jus postulandi. No Congresso tramitam projetos de lei propondo a abolição desse instituto. Embora ainda de forma tímida, juizes e alguns tribunais, entre estes turmas da 6ª, 12ª e 15ª regiões, começam a reconhecer o direito a honorários de sucumbência. Estamos, portanto, diante desse paradoxo: enquanto na Justiça comum adotam-se medidas, entre elas a redução de recursos, para agilizar os processos, na Justiça do Trabalho, que, por sua natureza e destinação deveria ser a mais célere, incentiva-se a litigiosidade, através da desoneração de honorários sucumbenciais. É, pois, chegado o momento de varrer a obsoleta figura do jus postulandi. Nós, advogados, somos 630 mil; contudo, pouco valemos e representamos enquanto isolados, dispersos, atuando individualmente. Mas, se solidários, agrupados, coesos, organizados, congregados em nossa associação de classe, constituiremos força capaz de tornar decisivo o triunfo dos postulados sociais e políticos da advocacia.

Benedito Calheiros Bomfim

  Sitio publicado em 01/02/2008